Entrevista com o Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves, conduzida pela Câmara de Comércio Checo-Cabo-Verdiana pela Doc.ª Dr.ª Iva Svobodová, Ph.D., do Instituto de Línguas e Literaturas Românicas da Universidade Masaryk.
Antes de mais, gostaria de agradecer pela oportunidade de poder realizar esta entrevista, Sr. Presidente, e, particularmente, de poder partilhar algumas das suas opiniões e visões relativas ao presente e ao futuro das ilhas de Cabo Verde, assim como o seu percurso profissional.
Antes de colocar a primeira pergunta, permita-me relembrar apenas alguns momentos pilares da história do país. Assim como outras ilhas situadas no Atlântico, as ilhas de Cabo Verde eram desabitadas, antes de serem descobertas pelos navegadores portugueses. No entanto, é a partir do século XV, que assistimos, na história do país, a grandes voltas e reviravoltas. Em particular, no século XX (designadamente em 1975), quando o país proclamou a sua independência. E é aqui que gostaria de dirigir-lhe a primeira questão:
1.O que é que mais influenciou o país a partir daquele ano? Quais têm sido os momentos cruciais na história moderna de Cabo Verde, Sr. Presidente?
Bom, temos, em primeiro lugar, o momento zero da República, que foi o da proclamação da Independência, a 5 de julho de 1975. Foi uma data importante. Um país como Cabo Verde, um pequeno Estado insular, era, em 1975, um país improvável.
O segundo momento importante é a viabilização do país. De improvável passou a ser um país possível – graças ao esforço de reconstrução nacional, mas também graças à transição para a democracia, que se efetivou em 1990. Após a Independência, o país tinha um regime de partido único, no quadro da unidade Guiné-Cabo Verde. Em 1980, dá-se a rotura no seio do partido binacional – PAIGC – que dirigia os dois países, surge um novo partido em Cabo Verde – PAICV -, que continua a dirigir o país em regime de partido único, até 1990. Em 1991, foram realizadas as primeiras eleições livres e democráticas: um momento importante, que vai permitir a construção de um Estado de Direito Democrático, onde há direitos, liberdades e garantias, um governo que é escolhido pelo povo através de eleições livres e democráticas, a estabilidade e a formulação de uma visão de transformação de Cabo Verde num país mais moderno e mais competitivo. E devo dizer que, nos últimos anos, particularmente, nestas duas décadas do século 21, tem-se feito um processo de modernização do país, transformando-o num país mais próspero, mais competitivo e com mais oportunidades para todos. Digamos que são estes os ingredientes, os elementos essenciais da história recente de Cabo Verde, que de um país improvável se tornou num país possível.
- E em que rumo é que o Sr. Presidente gostaria de ver o seu país a desenvolver-se nos dias de hoje? Como prevê o futuro de Cabo Verde, num horizonte dos próximos 10 anos?
Bom, Cabo-Verde está num processo de aceleração do seu desenvolvimento. Estamos num contexto mundial extraordinariamente complexo e difícil. As mudanças climáticas, as guerras geoestratégicas, a pobreza, as pandemias, as desigualdades, acabaram por gerar dinâmicas muito difíceis e muito complexas. Para um pequeno Estado insular como Cabo Verde, essencialmente, significa que o país tem que fazer o seu trabalho de casa. Então, eu vejo Cabo-Verde, daqui a dez anos, como um país mais moderno, mais próspero, sem pobreza, mais justo, mais inclusivo e, sobretudo, um país com mais oportunidades: oportunidades de emprego, oportunidades de investimentos, mais possibilidades de crescimento e desenvolvimento, com a potencialização dos recursos de que dispomos, designadamente, mar, sol e vento.
- Durante a sua vida, o Senhor Presidente desempenhou, entre outros, os cargos de Primeiro-Ministro e de Ministro das Finanças da República de Cabo Verde. Neste contexto, consegue analisar, com a máxima competência, a situação económica do país. Até que ponto julga que num futuro previsível os cabo-verdianos conseguirão aumentar o seu PIB por habitante, ou outros indicadores capazes de trazer os investidores e turistas ao país?
Eu acho que há todas as condições. A crise, que resulta da pandemia, proporciona novas oportunidades. Teremos de dar alguns passos internos. Em primeiro lugar, continuar a qualificar as infraestruturas (portos, aeroportos, estradas, água, saneamento, telecomunicações, tecnologias de informação), para podermos atrair investimentos, particularmente, na área do turismo, que é o motor de crescimento da nossa economia. Neste momento, essencialmente, temos o turismo de sol e praia nas ilhas do Sal, da Boavista, do Maio … Precisamos diversificar o turismo, desenvolvendo o turismo de natureza, de habitação, cultural e religioso. Precisamos levar o turismo e criar mais oportunidades de investimento e de crescimento em todas as ilhas. Em segundo lugar, desenvolver os transportes aéreos e marítimos interilhas. A conectividade é fundamental para a inserção de todas as ilhas na dinâmica de crescimento do país. O desenvolvimento dos transportes permite reforçar e dinamizar a mobilidade de pessoas e bens entre as ilhas, fazer crescer o turismo interno e induzir a coesão territorial. Mas, também, é preciso viabilizar a possibilidade de os turistas que vêm de fora chegarem rapidamente a todas as ilhas. Em terceiro lugar, inserir competitivamente o país no espaço da CEDEAO. Isto é vital para Cabo Verde: estar mais inserido na CEDEAO para aproveitar todas as suas capacidades de crescimento. Sendo um país estável e seguro para a realização de investimentos, Cabo Verde pode sediar um conjunto de investimentos para a África Ocidental e ser um Gateway to África. Cabo Verde pode, ainda, ser um cluster de energias renováveis para toda a região. Temos a possibilidade de produzir cerca de mais de 400% das nossas necessidades, através da energia solar e eólica, e hidrogénio verde. Deste modo, Cabo Verde pode transformar-se no centro de produção, distribuição, investigação, formação e comercialização de produtos na área das energias renováveis para toda a região, ou seja, para mais de 300 milhões de consumidores. Oportunidades importantes para investimentos. Cabo Verde pode ser, também, uma importante plataforma tecnológica e prestar serviços a toda a região. Pode, por exemplo, desenvolver a formação, a investigação na área da inteligência artificial – como pôr a inteligência artificial ao serviço do crescimento, possibilitando o aceleramento do processo de desenvolvimento e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Cabo Verde pode ser, ainda, um importante cluster no domínio da saúde. Haver hospitais de referência aqui para prestar serviços a toda a região, não só presencialmente, mas também através da telemedicina, e desenvolver a indústria farmacêutica. Se analisarmos esses elementos, podemos ver que há enormes potencialidades para o crescimento da economia, para a atração de investimentos privados, para a diversificação do turismo e para o aproveitamento de áreas estratégicas que não eram tão evidentes como o sol, o vento e o mar. E, finalmente, temos toda a economia marítima. Cabo Verde é um pequeno Estado, mas há um domínio em que pode ser uma potência, que é a da economia azul. 99% do país é mar, mais de 800 000 km2, e basta voltar-se para o mar e aproveitar todas as suas potencialidades, desde a produção de água, indústrias, transportes, turismo etc.
- Cabo Verde tem mesmo grandes potencialidades e boas condições para desenvolver e atrair investidores estrangeiros: processo que já está a acontecer. Mas qual é, na maioria das vezes, a origem dos investidores estrangeiros em Cabo Verde?
Em parte, esses investimentos, sim, já estão a acontecer. Temos potencialidades para ir mais longe, para acelerar o passo. Neste momento, esses investimentos são, essencialmente, da Europa. Mas podemos trazer investidores da África, das Américas, do Golfo Pérsico e da Ásia. Temos de diversificar as possibilidades de investimentos e estimular parcerias entre empresários europeus e empresários de outras partes do mundo para aumentarmos o capital e o know-how.
- Como vemos, Cabo Verde tem enormes potencialidades e as melhores condições para expandir-se para todas as partes do mundo. Mas supomos que os investidores provêm, na maior parte, dos países da língua portuguesa, devido à língua oficial comum, não é verdade?
…. Os investimentos não são só dos países lusófonos. Veja que os hotéis, na Ilha do Sal, começaram com investimentos italianos. E depois é que começaram investimentos espanhóis e há menos investimentos portugueses. Precisamos de mais investimentos da França, do Reino Unido, dos Estados Unidos, dos países nórdicos. Veja que os países nórdicos da Europa ou os países de leste europeu podem também investir mais em Cabo Verde. São os que fazem mais emissão do turismo para Cabo Verde. Já estamos a dar os primeiros passos. À medida que chegam turistas, chegam diplomatas e chegam investidores.
- Não existe qualquer receio da excessiva influência da China e da Rússia, países que, na verdade, nos últimos tempos têm tentado, intensamente, fazer valer os seus próprios interesses em África?
Para nós, não há nenhum perigo. Cada país tem de defender os seus interesses.
- Sr. Presidente, Cabo Verde tem grandes ambições de se tornar o principal destino de férias dos turistas europeus. Então, o que é que o país está a fazer para este objetivo se tornar realidade?
Bom, é continuar a investir na modernização e na qualificação das infraestruturas, sofisticar mais as coisas aqui dentro. Nós temos todos os ingredientes, todos os elementos. Precisamos é de ser um pouquinho mais sofisticados, fazer as coisas para estarmos com a qualidade suficiente para responder às demandas. E fazer o nosso trabalho de casa, no sentido de promover o país junto aos países europeus, mas também junto aos outros países onde temos a intenção de mobilizar turistas para Cabo Verde, designadamente, os Estados Unidos, a América do Sul, e África. A África tem muita gente que faz turismo e gasta muito dinheiro na Europa e nos Estados Unidos, e podem também gastá-lo aqui, em Cabo Verde.
- Neste contexto, convém relembrar que há conexões aéreas frequentes entre Cabo Verde e a República Checa, até várias vezes por semana. Parece que os turistas checos adoram viajar a Cabo Verde e visitam o país ao longo de todo o ano. Então, como o país está a responder a esta situação? O que é que se está a fazer para que os turistas continuem a gostar de vir, mas também, de voltar?
Acho que o destino Cabo Verde está a ser, cada vez mais, qualificado, e por isso, está a ser mais procurado. Estamos, gradualmente, como já disse, a criar as condições para que cheguem mais turistas. Neste momento há mais turistas porque há mais aeroportos, melhores estradas, boas comunicações e bons hotéis. É continuar nessa linha, porque quando os turistas demandam um determinado país, surgem também outros serviços como os transportes e, também, novos hotéis, de acordo com as novas exigências que os próprios turistas fazem. Portanto, é continuar a trabalhar para a qualificação do turismo, para melhorar a receção dos turistas, para melhorar a qualidade dos serviços que são prestados e permitir que as pessoas se sintam bem em Cabo Verde.
- E ao mais alto nível: quais têm sido as atividades de implementação realizadas em conjunto com a República Checa ou como poderia funcionar a cooperação entre os dois países num futuro próximo, senhor Presidente?
Com a República Checa, neste momento, não há relações muito fortes de cooperação económica e empresarial, para além de estudantes que têm chegado e que têm estudado lá. Depois da independência, muitos estudantes estiveram na ex-Checoslováquia, e que, portanto, estudaram na República Checa. Se vier a Cabo Verde, vai poder falar checo com vários cabo-verdianos. Precisamos encontrar canais, para reforçar as relações de cooperação económica e empresarial entre os dois países com benefícios mútuos. Acho que a Câmara de Comércio Checo-Cabo-verdiana pode desempenhar um papel importante na aproximação entre os dois países, entre os empresários dos dois países. Eu presenciei, na Praia, uma feira organizada pela Câmara, em que eu tive o privilégio de fazer o encerramento, e percebi que há imensas oportunidades, imensas possibilidades. Temos de fazer, a nível diplomático, o trabalho necessário para aproximar a República Checa e Cabo Verde. E deixo aqui o repto, através desta entrevista, ao Governo da República Checa, no sentido de encontrarmos canais para reforçar essas relações de amizade e de cooperação. E há muitas oportunidades, que advém das diferentes vertentes de que falamos nesta entrevista.
- Uma pergunta relativa às suas atividades de publicação: O Senhor Presidente é autor de vários livros, artigos e ensaios. Terá mais planos nesta área para realizar? Está a pensar, por exemplo, em escrever mais livros?
Bom, neste momento, recomecei o meu trabalho de doutoramento que pretendo concluir. E, portanto, estou a fazer as pesquisas para a minha tese de doutoramento, cujo tema é a influência da diáspora no processo de decisão política em Cabo Verde. Mas também, estou a pensar, no quadro dos 50 anos da nossa independência, em escrever um livro, sob forma de uma carta sobre a política, dirigida aos jovens.
- Senhor Presidente, há algumas considerações finais ou comentários que gostaria de acrescentar?
Gostaria de dizer que nessas áreas todas de que falamos há importantes possibilidades de intercâmbio. A juventude da República Checa pode também abrir novos caminhos. Há universidades, fundações, ONGs, escritores, músicos … Neste mundo mais complicado de hoje temos de ouvir música para não matarmos uns aos outros. A música cabo-verdiana é muito rica, muito diversificada. Há os jovens empresários. Cabo Verde é um país com muitas oportunidades. Aqui há muitas coisas por explorar. Como diz o grande poeta português, Fernando Pessoa: “… sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo”. Os jovens podem descobrir essas novidades. E pronto, é isso: que os jovens tenham todo o mundo para ampliar as possibilidades de relacionamento entre a República Checa e Cabo Verde.
- Senhor Presidente, gostaria de lhe agradecer imenso pelo seu tempo e disponibilidade para esta entrevista. Foi uma grande honra. Desejamos-lhe o maior sucesso na sua importantíssima função e acreditamos firmemente na prosperidade e no bem-estar da República de Cabo Verde.
Eu é que agradeço por tudo e desejo-vos muitos sucessos. Vocês podem fazer o milagre de multiplicação, juntando esses dois países pelo vosso interesse e pelo vosso empenhamento.